Os fragmentos que a compõem baseiam-se na lembrança de uma provocação feita durante uma oficina de desenho: todo aspirante a desenhista traz consigo um enorme potencial para desenhos ruins e, a cada desenho ruim feito, um a menos no arsenal. A mesma provocação vale aqui para a poesia.
Mandrião e santarrão
refestelar minha respiração
de sirene meu andar de febre de malária meu último recurso
fantasia dos tecedores
suas teias teias que tramam
fantásticos seres vindouros
e aí “oi oi oi oi” pra lá e pra cá.
E eu fiquei com vontade de ser possuído.
Decidi me entregar, confessei todos os crimes
cometidos e desejados, porém
já estavam ocupados tentando matar alguém.
Só não sei quem.
De longe parecia um vulto,
insuspeitavelmente rápido,
meio bronze, meio película e cadeado.
A água parou de passar
Estava alastrando demais
Levando toda a areia
para a redoma do irrecuperável.
Acenando às ruínas do passado pisado
A barriga inchada, dura, balançando.
O canal da urina... obstruído,
O reto... parcialmente preenchido.
A ágil solicitação prática da usura.
Gol do cano estourado!
Cortejo, frio, porões da ditadura
Forma-se uma imensa poça no assento
Ele já não suporta mais sentar
Sem evacuar nas reminiscências ulteriores.
Um touro de bronze
mugindo com os prazeres da cefaleia,
carcomendo meus olhos córrego,
acelerando pela curva abc.
Céu desgarrado
à fatia traseira da nuca, cabeça.
Excitar. Jurar. Esmagar. Espiar. Rodar.
Rejeitar. Comprar. Garantir. Assistir.
Própria. Esquisita. Fina. Rota. Final.
Notável. Museu. Canal. Papel. Vampírico.
Chateado. Lã. Tênis. Acidentaria.
Intrépido
Um mar de morro
fala gesticulando,
como trenodia.
Em todo momento ela dá graças
e em todas as atitudes
ela contém algo de céu azul,
ou de mar morto. Certos movimentos
jamais poderão sair de ti,
sem diminuir
o preço dos automóveis.
caminha sem rumo o projeto titubeante.
Sobreviventes do mundo desolado
ficaram admirados, creram se tratar de um anjo
com pernas, cabos, torax, patas tortas
correram na sua direção para pedir algo
comida, salvação.
começava difícil com todo mundo gritando,
não havia um que não estivesse gritando,
era uma fila pro comércio parado
uma linha de lá, apontava para o vazio do norte,
até o Apocalipse.
Todos, sem exceção, ajoelharam.
A grandeza, a imensidão dos seus dejetos interiores
levaram a máquina boçal a estender sobre os corpos,
nutridos de fome e de sede, suas patas deformadas.
Feito isso ele partiu. Rumou rumo a uma alameda
de árvores acopladas a fios e pedaços de parachoque.
Admirou as teias de metal e sorriu, com tanto esforço
que seu nariz sangrou, traduzindo, caiu da sua orelha
três parafusos e sua cabeça começou a tropegar.
“Certa vez,
com olhar inquisidor, questionou:
Jovem adorável, mas que cheiro forte
que cheiro insustentável!
Isso chama predestinação
clamou.
Anos mais tarde,
decidiram crucificá-lo
na flor da idade, o jovem
provando-se sabido,
já compareceu à caráter
de mortalha e chagas pelo corpo.”
O estábulo foi tomado
de silêncio de prece e dúvida.
Após, vieram alguns muxoxos,
contidos em risos e choros,
ais uis mais e mais
e mais. E menos.
Até que nada.
Cláudia diz que é muito relaxante
ligar e uivar para tevê distante:
atue, ator, ator, atue!
Cláudia cortou o pé, estancou o sangue
com pedaços de fé e um comprovante
de residência. 6 linha sobre Claudia.
Melhora regando com água fervente e sal,
muito sal. Coloração verde-clara
e espinhos de convívio em sociedade,
tudo machuca, exceto o banho de
espinhos, tufos, golpes rápidos de arranque,
terra, grama, silvos, tudo.
Você se vinga pra mim
com esse espinho cravado no peito.
no próprio peito.
Ou então fica só mordendo a pontinha da língua.
Posiciona ela entre os caninos e a aperta.
Afunda com toda força, fome, memória.
Aflige-a enquanto pensa.
É viciante. É greve porque é grave,
igreja do espinho, terrário em forma, greve, gelo.
A culpa sempre vindo do terrário de vidro, nunca você que é de vidro,
gelo, madeira, plástico são sempre as coisas.
O vidro nunca está em você. Que falta faz um simples apito.
Não fale assim com as plantas.
A cantora careca segue seu solilóquio
O Brasil é maior de dia ou de noite?
Faz das fibras algodão, tentando economizar
papel. Nesse papel ela cruza e calcula possibilidades.
Horas de trabalho ocupadas de especulação
e grilagem.
A cantora careca segue seu solilóquio
Seu irmão pomo-de-adão,
acelerado atrás de um ônibus
com suas pernas, uma comprida
e a outra curta. Ele só conhece o último
e o momentâneo.
No transporte público ele dorme inclinado
em cima da letra i.
Ííííííííí.
Valéria está poupando para comprar algumas roupas que vão emplacar
seus negócios em dez por cento.
Cinco travar a casa,
sete taxa alíquota custo,
cinco assalta tarifa cadáver.
A cantora careca segue seu solilóquio
Valéria sempre desperta,
fascinada com o dia perdido,
expediente intenso e cortante,
joelhos ralados e aquela boca
no fundo instante do rabo,
enluarado da rábula, da façanha redonda.
Um espaço para poder cuspir
na entrada do metrô Consolação,
Valéria fuma.
Balança-se os braços e fixa-se os olhos
na cara do tempo cinza chumbo chuva.
Ode ao comércio.
O vlup do quebra molas,
abstraindo vias secundárias
onde ficam as residências
— a cena.
Cinco pontas de
dedo na cara.
Olhos no cotovelo.
Mesas do parque
Com olhos consternados, prospectivos,
traça 37 graus de danação e linhas retas e avança.
Zoneada calçada entre duas avenidas, bangalôs.
A festa da praça da República, repleta de desalento
nos corpos esvaziados como bezerros.
Alheio aos que cospem moedas de cinco cinquenta dez centavos.
Se você não almoçar com esse um real,
eu te mato. A vida mata. A realidade.
A mesma coisa diversas vezes. O seu dedo
tapa a palavra. Só vemos o dedo. Aquele centro de
enfermagem de madrugada é uma extensão de um
botequim e o dedo sempre a tapar a palavra
dignidade. São Lourenço trouxe
os tesouros da igreja. Onde a gente coloca?
(Apontando para a fachada)
Deixa ali na calçada da Liberty Seguros.
Os cordeiros cavocavam o chão
para comer raiz pois não havia água,
era tudo muito seco e eu achava que nunca ia chover,
de janeiro a fevereiro chamam de tempo das águas,
pois chove muito e a casa fica cheia de areia.
A cantora careca segue seu solilóquio
Uma lata de coca cola
Jorra sua emocionante história
ao repórter da TV.
Sócrates em peregrinação quadrada,
indo vindo quatro vezes ao dia,
encher o saco de todo mundo.
A cantora careca segue seu solilóquio
Seu fumo está pronto, senhor Nietzsche.
Seu cavalo está morto, senhor Nietzsche.
Não, ele só está sério.
É um cavalo sério.
A cantora careca segue seu solilóquio
A verdade antropomórfica
chamada “eu”, com meu jeitão
de cavalo e relinchar equino
do lado de fora da ceia.
Cinemascope ranhura
rasura
Um pequeno feto azul,
especula, especula, especula.
Bad boy Nietzsche,
extasiado no deleite
como forma de seguir a vida
em conjunto, comendo o mundo
formalmente aloucado.
A cantora careca segue seu solilóquio
Bad boy Nietzsche,
uma espécie de sismógrafo
que de encefalite autoimune
tornou-se sisma,
seu nome era semblante
de árvore.
Seu fruto é uma cápsula globosa,
pêndula e suculenta.
Vida e arte indeiscentes,
de pericarpo duro e fino,
circulada pelo cálice,
que se torna carnoso, bojudo.
Caracterizado também
pela dor aguda
de cavalo e confusão,
filologia da contravenção, violência
perspectiva da tradução.
A cantora careca segue seu solilóquio
Traduza isso:
além da produção.
Agora uma parábola:
um Rei foi ao sex shop
comprar consolo metafísico.
Força e alegria, presente
de pré-palavra.
Pré-palavra flâmula,
flamejante sem fim.
O Rei Lesa-Majestade.
Margem corpo multiplicidade
rei rainha refestelados.
Um dia vácuos consolados
andam pela rua até que deparam.
Nietzsche, relinchando de quatro,
pensou em dizer oi para o casal nobilíssimo,
mas acabou gritando
ofuscado, já que ao longe
outro animal de quatro: o cavalo
relinchou.
A cantora careca segue seu solilóquio
Carvalho no machucado
melava os dedos em sangue;
na academia em graxa.
Escrevia na parede
letras decepadas que diziam
pernas, pernas, passos.
Mentiras jocosas palavras.
Jogo cacoete diálogo sincero. Não faz mal.
Questionamentos, coberturas
bate-bocas, fermento. Carvalho, no escuro ninguém enxerga,
o órgão interno que bem o define.
Alagamento.