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Lucas Paulo Ribeiro

Arte malfeita

Os fragmentos que a compõem baseiam-se na lembrança de uma provocação feita durante uma oficina de desenho: todo aspirante a desenhista traz consigo um enorme potencial para desenhos ruins e, a cada desenho ruim feito, um a menos no arsenal. A mesma provocação vale aqui para a poesia.

Mandrião e santarrão

refestelar minha respiração

de sirene meu andar de febre de malária meu último recurso

fantasia dos tecedores

suas teias teias que tramam

fantásticos seres vindouros

e aí “oi oi oi oi” pra lá e pra cá.

E eu fiquei com vontade de ser possuído.

Decidi me entregar, confessei todos os crimes

cometidos e desejados, porém

já estavam ocupados tentando matar alguém.

Só não sei quem.

De longe parecia um vulto,

insuspeitavelmente rápido,

meio bronze, meio película e cadeado.


A água parou de passar

Estava alastrando demais

Levando toda a areia

para a redoma do irrecuperável.


Acenando às ruínas do passado pisado

A barriga inchada, dura, balançando.

O canal da urina... obstruído,

O reto... parcialmente preenchido.


A ágil solicitação prática da usura.

Gol do cano estourado!

Cortejo, frio, porões da ditadura


Forma-se uma imensa poça no assento

Ele já não suporta mais sentar

Sem evacuar nas reminiscências ulteriores.


Um touro de bronze

mugindo com os prazeres da cefaleia,

carcomendo meus olhos córrego,

acelerando pela curva abc.

Céu desgarrado

à fatia traseira da nuca, cabeça.



Excitar. Jurar. Esmagar. Espiar. Rodar.

Rejeitar. Comprar. Garantir. Assistir.

Própria. Esquisita. Fina. Rota. Final.

Notável. Museu. Canal. Papel. Vampírico.

Chateado. Lã. Tênis. Acidentaria.


Intrépido

Um mar de morro

fala gesticulando,


como trenodia.

Em todo momento ela dá graças

e em todas as atitudes

ela contém algo de céu azul,

ou de mar morto. Certos movimentos

jamais poderão sair de ti,

sem diminuir

o preço dos automóveis.


caminha sem rumo o projeto titubeante.


Sobreviventes do mundo desolado

ficaram admirados, creram se tratar de um anjo

com pernas, cabos, torax, patas tortas

correram na sua direção para pedir algo

comida, salvação.


começava difícil com todo mundo gritando,

não havia um que não estivesse gritando,


era uma fila pro comércio parado

uma linha de lá, apontava para o vazio do norte,

até o Apocalipse.


Todos, sem exceção, ajoelharam.

A grandeza, a imensidão dos seus dejetos interiores

levaram a máquina boçal a estender sobre os corpos,

nutridos de fome e de sede, suas patas deformadas.


Feito isso ele partiu. Rumou rumo a uma alameda

de árvores acopladas a fios e pedaços de parachoque.

Admirou as teias de metal e sorriu, com tanto esforço

que seu nariz sangrou, traduzindo, caiu da sua orelha

três parafusos e sua cabeça começou a tropegar.


“Certa vez, 

com olhar inquisidor, questionou:

Jovem adorável, mas que cheiro forte

que cheiro insustentável!

Isso chama predestinação

clamou.

Anos mais tarde,

decidiram crucificá-lo

na flor da idade, o jovem

provando-se sabido,

já compareceu à caráter

de mortalha e chagas pelo corpo.”


O estábulo foi tomado

de silêncio de prece e dúvida.

Após, vieram alguns muxoxos,

contidos em risos e choros,

ais uis mais e mais

e mais. E menos.

Até que nada.


Cláudia diz que é muito relaxante

ligar e uivar para tevê distante:

atue, ator, ator, atue!

Cláudia cortou o pé, estancou o sangue

com pedaços de fé e um comprovante

de residência. 6 linha sobre Claudia.


Melhora regando com água fervente e sal,

muito sal. Coloração verde-clara

e espinhos de convívio em sociedade,

tudo machuca, exceto o banho de

espinhos, tufos, golpes rápidos de arranque,

terra, grama, silvos, tudo.


Você se vinga pra mim

com esse espinho cravado no peito.

no próprio peito.


Ou então fica só mordendo a pontinha da língua.

Posiciona ela entre os caninos e a aperta.

Afunda com toda força, fome, memória.

Aflige-a enquanto pensa.

É viciante. É greve porque é grave,

igreja do espinho, terrário em forma, greve, gelo.


A culpa sempre vindo do terrário de vidro, nunca você que é de vidro,

gelo, madeira, plástico são sempre as coisas.

O vidro nunca está em você. Que falta faz um simples apito.

Não fale assim com as plantas.


A cantora careca segue seu solilóquio

O Brasil é maior de dia ou de noite?


Faz das fibras algodão, tentando economizar

papel. Nesse papel ela cruza e calcula possibilidades.

Horas de trabalho ocupadas de especulação

e grilagem.


A cantora careca segue seu solilóquio 


Seu irmão pomo-de-adão,

acelerado atrás de um ônibus

com suas pernas, uma comprida

e a outra curta. Ele só conhece o último

e o momentâneo.


No transporte público ele dorme inclinado

em cima da letra i.

Ííííííííí.


Valéria está poupando para comprar algumas roupas que vão emplacar

seus negócios em dez por cento.


Cinco travar a casa,

sete taxa alíquota custo,

cinco assalta tarifa cadáver.


A cantora careca segue seu solilóquio 


Valéria sempre desperta,

fascinada com o dia perdido,

expediente intenso e cortante,

joelhos ralados e aquela boca

no fundo instante do rabo,

enluarado da rábula, da façanha redonda.

Um espaço para poder cuspir

na entrada do metrô Consolação,

Valéria fuma.


Balança-se os braços e fixa-se os olhos

na cara do tempo cinza chumbo chuva.

Ode ao comércio.


O vlup do quebra molas,

abstraindo vias secundárias

onde ficam as residências

— a cena.


Cinco pontas de

dedo na cara.

Olhos no cotovelo.

Mesas do parque 


Com olhos consternados, prospectivos,

traça 37 graus de danação e linhas retas e avança.

Zoneada calçada entre duas avenidas, bangalôs.

A festa da praça da República, repleta de desalento

nos corpos esvaziados como bezerros.

Alheio aos que cospem moedas de cinco cinquenta dez centavos.

Se você não almoçar com esse um real,

eu te mato. A vida mata. A realidade.

A mesma coisa diversas vezes. O seu dedo

tapa a palavra. Só vemos o dedo. Aquele centro de

enfermagem de madrugada é uma extensão de um

botequim e o dedo sempre a tapar a palavra

dignidade. São Lourenço trouxe

os tesouros da igreja. Onde a gente coloca?

(Apontando para a fachada)

Deixa ali na calçada da Liberty Seguros.

Os cordeiros cavocavam o chão

para comer raiz pois não havia água,

era tudo muito seco e eu achava que nunca ia chover,

de janeiro a fevereiro chamam de tempo das águas,

pois chove muito e a casa fica cheia de areia.


A cantora careca segue seu solilóquio 


Uma lata de coca cola

Jorra sua emocionante história

ao repórter da TV.


Sócrates em peregrinação quadrada,

indo vindo quatro vezes ao dia,

encher o saco de todo mundo.


A cantora careca segue seu solilóquio 


Seu fumo está pronto, senhor Nietzsche.

Seu cavalo está morto, senhor Nietzsche.

Não, ele só está sério.


É um cavalo sério.

A cantora careca segue seu solilóquio


A verdade antropomórfica

chamada “eu”, com meu jeitão

de cavalo e relinchar equino

do lado de fora da ceia.


Cinemascope ranhura

rasura


Um pequeno feto azul,


especula, especula, especula.


Bad boy Nietzsche,

extasiado no deleite

como forma de seguir a vida

em conjunto, comendo o mundo

formalmente aloucado.


A cantora careca segue seu solilóquio


Bad boy Nietzsche,

uma espécie de sismógrafo

que de encefalite autoimune

tornou-se sisma,

seu nome era semblante

de árvore.


Seu fruto é uma cápsula globosa,

pêndula e suculenta.

Vida e arte indeiscentes,

de pericarpo duro e fino,

circulada pelo cálice,

que se torna carnoso, bojudo.


Caracterizado também

pela dor aguda

de cavalo e confusão,

filologia da contravenção, violência

perspectiva da tradução.


A cantora careca segue seu solilóquio 


Traduza isso:

além da produção.

Agora uma parábola:

um Rei foi ao sex shop

comprar consolo metafísico.


Força e alegria, presente

de pré-palavra.

Pré-palavra flâmula,

flamejante sem fim.


O Rei Lesa-Majestade.

Margem corpo multiplicidade

rei rainha refestelados.

Um dia vácuos consolados

andam pela rua até que deparam.


Nietzsche, relinchando de quatro,

pensou em dizer oi para o casal nobilíssimo,

mas acabou gritando

ofuscado, já que ao longe

outro animal de quatro: o cavalo

relinchou.


A cantora careca segue seu solilóquio 


Carvalho no machucado

melava os dedos em sangue;

na academia em graxa. 

Escrevia na parede

letras decepadas que diziam

pernas, pernas, passos.

Mentiras jocosas palavras.

Jogo cacoete diálogo sincero. Não faz mal.

Questionamentos, coberturas

bate-bocas, fermento. Carvalho, no escuro ninguém enxerga,

o órgão interno que bem o define.




Alagamento.

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