Pisadeira é um miniconto de terror sobre paralisia do sono, tendo como símbolo metafórico dessa sensação terrível de vigília do sono, a criatura folclórica brasileira Pisadeira.
[em algum teto de um prédio, uma criatura sente fome…]
depois de um dia enjoado e exaustivo de trabalho, e ainda com a roupa do corpo, me joguei na cama e apaguei. dali um tempo, senti algo me rondando. os pelinhos do pescoço arrepiaram e, apesar de a luz estar apagada, vi uma sombra no canto da parede do quarto.
levei um susto. segundos depois, senti um peso na quina da cama.
comecei a suar e senti meu coração quase pular pela boca. ter meus pés cobertos me deu alguma sensação idiota de segurança. nisso, algo agarrou meus braços e me prendeu à cama. a sombra, que até então só me observava, deslizou pela cama e subiu em mim, ficando de cócoras, sob meu peito, fazendo uma pressão absurda no meu tórax. gelei, mesmo estando numa noite carioca insalubre e quente.
a poucos centímetros da minha cara, vi uma figura grotesca. parecia uma velha em decomposição. os cabelos grisalhos, oleosos e desgrenhados. o corpo, esquálido e acinzentado, de aspecto viscoso, fedia. no lugar dos olhos havia fendas de um negrume horripilante. da boca escorria uma baba, com poucos dentes podres que exalavam um bafo pestilento que revirava meu estômago.
minha boca tava seca. entrei em pânico. paralisei, ainda que estivesse me debatendo por dentro.
a velha bizarra se inclinou na direção do meu rosto, abriu a boca, que tinha um rasgo até as orelhas, e começou a sugar minha energia (ou alma?). senti muito medo, junto com ondas de tristeza e apatia. ela não parava e ficava cada vez mais pesada sob meu peito, me deixando com falta de ar. tentei empurrá-la, mas isso me cansava. eu mal conseguia respirar e a criatura não saía de cima.
ela ia me matar.
àquela altura, eu já não sabia mais se o que tava acontecendo era real ou um pesadelo. eu estava no meu quarto, mas o meu abajour não era amarelo.
comecei a sentir meu corpo cada vez mais cansado. o cheiro de enxofre da velha me desnorteava, e ela pressionava ainda mais meu corpo contra a cama, babando muito em cima do meu rosto enquanto me sugava. um nojo. quanto mais eu tentava empurrá-la, mais ela era agressiva comigo.
fechei meus olhos. desisti de lutar.