Estou treinando minha escrita, mas às vezes parece que estou mais me autoflagelando que qualquer coisa, enfim, esse texto eu fiz a partir de uma proposta que um amigo meu me ofereceu, sobre um beijo de uma pessoa velha, então acabei fazendo esse pequeno conto sobre a vida.
Eu tinha apenas 15 anos quando a conheci, estava odiando tudo e a todos, meus pais brigavam
constantemente, a escola eu estava odiando, a vida era um inferno banal, então fui para a praça que
mais gostava da cidade e fiquei lá sentada ouvindo as músicas mais deprimentes possível, me odiando,
quando ela sentou do meu lado.
A primeira coisa que senti foi seu odor, um cheiro de rosas misturado talvez com cigarro e
vinho, lembro muito bem do cheiro, pois foi isso que fez com que eu abrisse meus olhos e volta-se para
realidade dando de cara com uma senhora de cabelos ondulados levemente bagunçados na altura das
orelhas, brancos com umas partes de roxo, tinha uns brincos gigantes, pareciam bijuterias de 10,00
reais, mas com um certo charme, usava uma camiseta listrada preto e branco, calća jeans, uma bolsa
gigantesca que claramente parecia pesada e um tênis velho vermelho.
Meu primeiro pensamento foi: “Essa velha deve ser louca.” E quando pensei nisso ela vira para
mim com seus olhos pretos e grandes, um sorriso quase de orelha a orelha e diz, “a vida não é
realmente uma grande surpresa?” eu respondo com todo o mal humor de uma adolescente, “não, a vida
é ridícula.” Eu imaginei que ela iria me xingar ou simplesmente ignorar mas não, ela ri, mentira, ela
gargalhou da minha resposta o que me deixou mais irritada e eu disse: "tá rindo do que? Alguém na sua
idade tem motivo pra rir? não deveria estar vendo caixão?” Ela para mantendo o sorriso no rosto e
responde: “bem se a morte vier agora irei bem feliz… porque eu dei... meu... primeiro beijo!”, e
começa a rir novamente mas dessa vez mais contida, quase como uma dama do início do século XIX,
confesso que fiquei chocada com a informação, uma mulher que deveria ter uns 80 anos de idade
falando que deu seu primeiro beijo hoje, agora, então, eu simplesmente balbuciei “o que?” Ela olhou
fundo nos meus olhos e me contou a história de seu primeiro beijo.
Ana me disse que sempre foi uma pessoa muito tímida e fechada, que nunca conseguiu se
permitir gostar realmente de alguém, pois via como a relação de seus pais era horrível, então ela sempre
focou no trabalho, e ignorou todo o resto, ela viajou o mundo, fez muitos amigos, mas morria de medo
de se aproximar de alguém no sentido romântico e sexual da palavra, sempre teve vergonha de seu
corpo, se escondia atrás de roupas, ou de seu sarcasmo, nunca tinha se permitido realmente se
apaixonar e ainda mantinha sua virgindade como algo intocável. A cada palavra que ela me dizia eu
ficava mais chocada, como alguém da idade dela era virgem? Nunca teve ninguém, ela era alguém
sozinha? Deveria ser… Quando penso nisso, ela atende seu telefone e começa a falar com alguém
dizendo que estava com uma amiga e que mais tarde contaria tudo o que aconteceu para eles tomando
umas boas taças de vinho. Ela volta sua atenção para mim e continua dizendo que ela não é sozinha -
parecia que estava lendo meus pensamentos - disse que sempre foi cercada de ótimos amigos, sempre
presentes nas horas difíceis e nas alegrias, que ela apadrinhava crianças para dar oportunidade para eles
e até então isso era o suficiente para ela, viagens bons amigos, boas crianças, caridades, era
maravilhoso sua vida, mas de uns anos pra cá sua rede de amigos começou a diminuir, doenças
inevitáveis, acidentes, a vida…
Passar pela perda de seus amigos a fez perceber que ela sempre quis beijar alguém, sentir esse
frio na barriga, sentir os lábios da outra pessoa, o calor que existe quando os dois corpos estão juntos, a
sonoridade dos lábios e línguas, e então ela decidiu se permitir conhecer alguém, e com uma prontidão
tremenda uma de suas amigas arranjou um viúvo amigo de amigos e apresentou ele para Ana. Eles
saíram jantar algumas vezes foram a museus, cafés, cinemas, e hoje naquela tarde eles foram almoçar
juntos, pois ele iria viajar visitar seus filhos ela me contou que eles comeram macarrão acompanhada
de vinho em um restaurante italiano próximo da praça, conversaram sobre suas vidas, as séries que
estavam vendo e chegou a hora dele ir para o aeroporto e foi chamado um uber, enquanto esperavam o
motorista chegar, ela foi sentindo na barriga aquele nervoso, as famosas borboletas, e ele estava ali
quieto, ela disse que sentia no ar uma coisa estranha, um clima, como se algo precisasse ser feito, e no
momento em que o uber chegou ele se aproximou para dar tchau e um até logo dando o beijo mais
suave e quente que ela já sentiu em sua bochecha e quando ele fez isso ela segurou uma de suas mãos
olhou fundo em seus olhos colocou sua mão esquerda no rosto dele delicadamente acariciando sua
bochecha, deu um leve sorriso e então o beijou. Quando ela o beijou, ele a envolveu a abraçando, e ela
retribuiu o abraço, foi tão forte que ela pensou que os dois iriam se tornar um só.
Quando o beijo parou ela começou a gargalhar, o que acabou fazendo ele rir e outras pessoas
que estavam passando por eles no momento, ela me disse que sua bochechas ficaram vermelhas na
hora, que ela sentiu seu corpo inteiro arder, mas que de todas as coisas que ela já fez na vida, aquele
beijo, foi a melhor delas e que hoje ela se sente como se tivesse 15 anos e uma vida inteira pela frente.