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Alyssa Tessari

Uma vida pela frente

Estou treinando minha escrita, mas às vezes parece que estou mais me autoflagelando que qualquer coisa, enfim, esse texto eu fiz a partir de uma proposta que um amigo meu me ofereceu, sobre um beijo de uma pessoa velha, então acabei fazendo esse pequeno conto sobre a vida.

Eu tinha apenas 15 anos quando a conheci, estava odiando tudo e a todos, meus pais brigavam

constantemente, a escola eu estava odiando, a vida era um inferno banal, então fui para a praça que

mais gostava da cidade e fiquei lá sentada ouvindo as músicas mais deprimentes possível, me odiando,

quando ela sentou do meu lado.

A primeira coisa que senti foi seu odor, um cheiro de rosas misturado talvez com cigarro e

vinho, lembro muito bem do cheiro, pois foi isso que fez com que eu abrisse meus olhos e volta-se para

realidade dando de cara com uma senhora de cabelos ondulados levemente bagunçados na altura das

orelhas, brancos com umas partes de roxo, tinha uns brincos gigantes, pareciam bijuterias de 10,00

reais, mas com um certo charme, usava uma camiseta listrada preto e branco, calća jeans, uma bolsa

gigantesca que claramente parecia pesada e um tênis velho vermelho.

Meu primeiro pensamento foi: “Essa velha deve ser louca.” E quando pensei nisso ela vira para

mim com seus olhos pretos e grandes, um sorriso quase de orelha a orelha e diz, “a vida não é

realmente uma grande surpresa?” eu respondo com todo o mal humor de uma adolescente, “não, a vida

é ridícula.” Eu imaginei que ela iria me xingar ou simplesmente ignorar mas não, ela ri, mentira, ela

gargalhou da minha resposta o que me deixou mais irritada e eu disse: "tá rindo do que? Alguém na sua

idade tem motivo pra rir? não deveria estar vendo caixão?” Ela para mantendo o sorriso no rosto e

responde: “bem se a morte vier agora irei bem feliz… porque eu dei... meu... primeiro beijo!”, e

começa a rir novamente mas dessa vez mais contida, quase como uma dama do início do século XIX,

confesso que fiquei chocada com a informação, uma mulher que deveria ter uns 80 anos de idade

falando que deu seu primeiro beijo hoje, agora, então, eu simplesmente balbuciei “o que?” Ela olhou

fundo nos meus olhos e me contou a história de seu primeiro beijo.

Ana me disse que sempre foi uma pessoa muito tímida e fechada, que nunca conseguiu se

permitir gostar realmente de alguém, pois via como a relação de seus pais era horrível, então ela sempre

focou no trabalho, e ignorou todo o resto, ela viajou o mundo, fez muitos amigos, mas morria de medo

de se aproximar de alguém no sentido romântico e sexual da palavra, sempre teve vergonha de seu

corpo, se escondia atrás de roupas, ou de seu sarcasmo, nunca tinha se permitido realmente se

apaixonar e ainda mantinha sua virgindade como algo intocável. A cada palavra que ela me dizia eu

ficava mais chocada, como alguém da idade dela era virgem? Nunca teve ninguém, ela era alguém

sozinha? Deveria ser… Quando penso nisso, ela atende seu telefone e começa a falar com alguém

dizendo que estava com uma amiga e que mais tarde contaria tudo o que aconteceu para eles tomando

umas boas taças de vinho. Ela volta sua atenção para mim e continua dizendo que ela não é sozinha -

parecia que estava lendo meus pensamentos - disse que sempre foi cercada de ótimos amigos, sempre

presentes nas horas difíceis e nas alegrias, que ela apadrinhava crianças para dar oportunidade para eles

e até então isso era o suficiente para ela, viagens bons amigos, boas crianças, caridades, era

maravilhoso sua vida, mas de uns anos pra cá sua rede de amigos começou a diminuir, doenças

inevitáveis, acidentes, a vida…

Passar pela perda de seus amigos a fez perceber que ela sempre quis beijar alguém, sentir esse

frio na barriga, sentir os lábios da outra pessoa, o calor que existe quando os dois corpos estão juntos, a

sonoridade dos lábios e línguas, e então ela decidiu se permitir conhecer alguém, e com uma prontidão

tremenda uma de suas amigas arranjou um viúvo amigo de amigos e apresentou ele para Ana. Eles

saíram jantar algumas vezes foram a museus, cafés, cinemas, e hoje naquela tarde eles foram almoçar

juntos, pois ele iria viajar visitar seus filhos ela me contou que eles comeram macarrão acompanhada

de vinho em um restaurante italiano próximo da praça, conversaram sobre suas vidas, as séries que

estavam vendo e chegou a hora dele ir para o aeroporto e foi chamado um uber, enquanto esperavam o

motorista chegar, ela foi sentindo na barriga aquele nervoso, as famosas borboletas, e ele estava ali

quieto, ela disse que sentia no ar uma coisa estranha, um clima, como se algo precisasse ser feito, e no

momento em que o uber chegou ele se aproximou para dar tchau e um até logo dando o beijo mais

suave e quente que ela já sentiu em sua bochecha e quando ele fez isso ela segurou uma de suas mãos

olhou fundo em seus olhos colocou sua mão esquerda no rosto dele delicadamente acariciando sua

bochecha, deu um leve sorriso e então o beijou. Quando ela o beijou, ele a envolveu a abraçando, e ela

retribuiu o abraço, foi tão forte que ela pensou que os dois iriam se tornar um só.

Quando o beijo parou ela começou a gargalhar, o que acabou fazendo ele rir e outras pessoas

que estavam passando por eles no momento, ela me disse que sua bochechas ficaram vermelhas na

hora, que ela sentiu seu corpo inteiro arder, mas que de todas as coisas que ela já fez na vida, aquele

beijo, foi a melhor delas e que hoje ela se sente como se tivesse 15 anos e uma vida inteira pela frente.

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